terça-feira, 18 de janeiro de 2011
O silêncio dos tambores
Querebentã de Zomadonu é como é designada a Casa das Minas por aqueles que a instalaram ainda no século XIX. Segundo alguns, a comunidade religiosa mina jeje do Maranhão foi organizada por africanos procedentes do Daomé, atual República do Benim. Para Pierre Verger (1902-1996), o culto foi trazido para o Maranhão pela Rainha Nã Angotimé, que fora vendida como escrava juntamente com outros membros da família real no final do século XIX e princípios do século XX.
Para membros da própria Casa, como Mãe Andresa, em depoimento concedido ainda na década de 1940, o lugar simplesmente teria sido fundado por pessoas que vieram diretamente da África.
Todavia, todo esse patrimônio – tombado pelo Iphan como patrimônio imaterial em 2002 – que fora imortalizado nas páginas de "Os tambores de São Luís", célebre romance do escritor maranhense Josué Montello (1917-2006), corre o risco de desaparecer.
O barco, ou feitoria, ritual de iniciação que prepara novos membros para a Casa, não é realizado pelo menos desde 1913.
Com o barco são preparadas as vodúnsis gonjaís, religiosas que, ao se submeterem ao ritual completo, recebem o seu vodum e uma entidade feminina infantil, a tobossi. Somente depois de receberem esse ritual é que se está apto para preparar novas gonjaís. O tambor de Mina, que integra todo o cerimonial na Casa, pode, talvez, se silenciar para sempre.
Estudiosos e membros da Casa apontam vários motivos para explicar a não ocorrência do ritual.
O antropólogo da Universidade Federal do Maranhão Sérgio Ferreti, estudioso da Casa das Minas há quase 30 anos e que já dedicou vários livros e artigos sobre o assunto, lamenta que tudo isso esteja acontecendo.
Em seu livro, “Repensando o Sincretismo: estudo sobre a Casa das Minas” (São Paulo: USP; São Luís: Fapema, 1995), Ferreti teceu várias argumentações a esse respeito. Primeiramente que a religião, assim como a própria Casa, é bastante fechada – estruturada em relações de parentesco e de organização matriarcal, comandada basicamente por mulheres.
Suas manifestações religiosas sempre foram cercadas por grande segredo. Muitos membros da Casa evitam pronunciar o nome das divindades – às vezes, substituídos por apelidos – ou comunicam-se em língua jeje para não serem compreendidos pelas pessoas mais novas. O mistério com que certos assuntos foram tratados contribuiu para perda de muitos rituais e conhecimentos tradicionais.
Estudiosos como Peter Fry e Reginaldo Prandi, entre outros, argumentam que estaria acontecendo um “suicídio cultural”.
Os membros da Casa também apresentam os seus motivos para não realizarem mais o ritual. Dizem que não houve mais pedido dos voduns para realização do barco. Comentam ainda que no passado foram cometidos vários erros nos rituais de iniciação.
Fatores de ordem econômica e social também são considerados. Em meados dos anos 50, várias fábricas de tecido fecharam suas portas na região e com isso diversos membros acabaram mudando de lugar em busca de melhores oportunidades.
Fala-se ainda em orgulho das pessoas mais velhas que não quiseram transmitir os ensinamentos às mais jovens. A falta de recursos para custear os cerimoniais também é outro problema apontado. Alega-se ainda que muitos não tem mais o compromisso de aceitar as condições que a religião exige, pois segundo os integrantes da Casa, para receber o barco tem que ser pessoas muitos especiais, que tenham responsabilidade e compromisso com os ensinamentos.
O fechamento da Casa divide opinião até mesmo entre os próprios membros. Enquanto algumas vodunsis esperam que continue o seu funcionamento, outras dizem que se for para transmitir para uma pessoa qualquer, é preferível ver a Casa fechada.
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